terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Lucila, por ela mesma.


A mulher parou na calçada, e abriu seus olhos castanhos abstratos.

Olhos rasgados.

Lembrou-se por um momento de Caetano Veloso, que sempre a fazia

lembrar-se de exílio, Londres, caracois, cachecol e Roberto.

Olhou para os próprios pés, que nunca a levaram muito longe.

Lembrou-se da juventude, e de quantas vezes tentara obstinadamente

ir para a Austrália.

A Terra baixa e vermelha, marsupiais simpáticos.

A Terra que o mundo ficava em cima.

Pensou em como todas as coisas são abstratas.

Não consegue-se tocar nada!

Era estranho pensar em todas as possibilidades

que fora eliminando ao longo da vida.

Uma neblina ouropretana a envolvia de saudade.

Saudade de coisas atoas, fluidez e azul desbotado.

Sua terrível vulnerabilidade, sua asquerosa sensibilidade.

Mesmo ali na calçada, os paralelepípedos inutéis, o mesmo sol.

Ela sentia seus poros vivos, tangendo os sons e o suor.

Precisava atravessar a rua, pois era certo que seus cabelos

pegariam fogo, lá do outro lado, na sombra; ouviria o mar,

que a faria lembrar-se de Caetano, exílio e caracóis.