
...Quando eu era criança queria ser vento.
Apanhava todo dia; porque me emaranhava pelo mato e voltava sempre com o vestido rasgado:
"-Não o xadrezinho de azul e branco!Até detalhes de croché fiz nas alças!"
"-Não o xadrezinho de azul e branco!Até detalhes de croché fiz nas alças!"
E lá ia-se o xadrezinho rasgado de lado. Mas no outro dia, era outro dia, e outro vestido também.
Ah, porque as cidades crescem e desaparecem seus córregos, minas, grotas, eucalipitais...Porque desaparecem cipós que nos faziam voar sobre folhas secas!
Pouco importava a surra ao chegar em casa; o que valia aquilo pra alguém que voava?Pouco importava joelhos ralados, cabelo cheio de cisco, e o fundo da conga rasgado ao meio, fazendo com o pé melasse de suor! Pouco importava a estranheza:
"-Essa menina é Maria-João!"
"-Essa menina é Maria-João!"
"-Onde já se viu brincar de pulador?"
"-Me conta, não têm nessa cidade mais nenhuma menina que tenha carrinho de rolimã!" Que estranha!
"-Seu Waldivino, sua filha está aí?"
"-Está. O que foi dessa vez?"
"-Bem, de novo o viveiro está aberto, e todas as gaiolas também!"
"-Hum."
Pobre criança, que não sabia que pássaros presos, não conseguem mais sobreviver em liberdade!
Quando eu era criança queria ser vento, queria voar.
Queria até morrer em nome de uma boa causa! E chorava toda vez que via uma cão ou gato morrer atropelado, quanto sofrimento!
Mas eu voava, sempre voei, fosse em cipós sobre folhas secas, fossem em balanços de pneus, ou fosse apenas fechando os olhos, ou sendo embargada pelo vento...filosofia de criança!
Ainda quero ser vento; espero que ainda dê tempo.