quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Inocência?


...Quando eu era criança queria ser vento.

Apanhava todo dia; porque me emaranhava pelo mato e voltava sempre com o vestido rasgado:
"-Não o xadrezinho de azul e branco!Até detalhes de croché fiz nas alças!"

E lá ia-se o xadrezinho rasgado de lado. Mas no outro dia, era outro dia, e outro vestido também.

Ah, porque as cidades crescem e desaparecem seus córregos, minas, grotas, eucalipitais...Porque desaparecem cipós que nos faziam voar sobre folhas secas!

Pouco importava a surra ao chegar em casa; o que valia aquilo pra alguém que voava?Pouco importava joelhos ralados, cabelo cheio de cisco, e o fundo da conga rasgado ao meio, fazendo com o pé melasse de suor! Pouco importava a estranheza:
"-Essa menina é Maria-João!"

"-Onde já se viu brincar de pulador?"

"-Me conta, não têm nessa cidade mais nenhuma menina que tenha carrinho de rolimã!" Que estranha!

"-Seu Waldivino, sua filha está aí?"

"-Está. O que foi dessa vez?"

"-Bem, de novo o viveiro está aberto, e todas as gaiolas também!"

"-Hum."

Pobre criança, que não sabia que pássaros presos, não conseguem mais sobreviver em liberdade!

Quando eu era criança queria ser vento, queria voar.

Queria até morrer em nome de uma boa causa! E chorava toda vez que via uma cão ou gato morrer atropelado, quanto sofrimento!

Mas eu voava, sempre voei, fosse em cipós sobre folhas secas, fossem em balanços de pneus, ou fosse apenas fechando os olhos, ou sendo embargada pelo vento...filosofia de criança!

Ainda quero ser vento; espero que ainda dê tempo.

domingo, 2 de setembro de 2007

Sumertime.

...Ainda é muito cedo.
E continua incrivelmente nublado e frio.
No rádio está tocando uma música antiga do Raul, que me provoca saudades de alguma coisa que eu nem sei o que é. A música diz que um trem vem de algum, e não se pode atrasar para pega-lo, e ainda pergunta quem vai chorar, quem vai sorrir...
Tem umas formigas andando pelos tacos gastos do quarto, caçando restos de pão. Não tenho nada pra fazer, pois hoje é domingo, e em qualquer lugar não faz a mínima diferença.
Esse lugar é muito quieto, a gente se sente no fim do mundo, ou no fim da gente mesmo, que no fundo dá no mesmo. Não têm barulho de carros, somente câes e cabras pastando solenes no pasto...Nessa casa, tem grades nas janelas, nas portas, e os portões são enormes para que não se haja meio de fuga.
Daqui só se foge o espírito.Vai para além da BR, para além de tudo, para além mar, além nada.
Agora arrebenta o coração e a alma no dial, Janis porque você é tão cruel?
Sumertime!
Sim, é tempo de verão, mesmo aqui tão distante das capitais.

Raio x.

Perfil.Engraçada essa palavra.
Usada para nos descrever.
Mas na fotografia é quando estamos de lado...
Talvez pra que não se mostre tudo.
Deixar a emoção de lado!
Disfarçar a falta ou o excesso de conteúdo.
Esconder, mesmo que parcialmente os olhos;
espelhos da alma, do corpo, boca muda!
Perfil...
Pra que se mostre o que você gosta.
Pra descobrir o que você ainda não sabe que gosta.
Pra disfarçar...
Pra realçar detalhes e esconder nuançes.
Perfil, pra se ver de lado...
Sem lado certo, nem lado errado!
Pra se mostrar contente, e esconder o que a alma sente.
Perfilar, sem olhar; criar seu tema...
Meu perfil?
Gosto de fazer poemas.
Gosto de imensidãos pequenas, abraços grandes...
Gosto de mãos, e talvez um pouco de solidão.
Talvez minta e você nem sinta!
Normal, pra te surpreender no final.
Hoje assim, amanhã quem sabe?
Continuarei de lado, perfil inacabado.
Traçado todo dia.
Dia dor, dia alegria.
Dia e noite, noite e dia.
Busco, procuro, almejo.
Cada dia um desejo.
Talvez minta e você nem sinta!
Normal, pra te surpreender no final.

Cúmplice.

...Achei que a vida ria de mim.
Desde quando nasci, ela se apresentou assim;
esquisita, estranha e louca!
Como se nua, tirasse a roupa.

Panorâmica.

Eu...
Minto, quando digo o que sinto.
Sinto.Mas na verdade minto.
Sob asas de borboleta...
Sob asas de anjo...
A minha estrada é difusa!
Tem bifurcações confusas!
E até sua cor é diferente.
Me vêem como querem, ser impertinente.

Ser totalmente ao avesso.
Olho a vida dislexa, e a paixão sempre me cega.
A paixão de ser e estar em todo lugar!
A paixão de me expor, mesmo que aja dor!
A paixão de me encontrar e sempre me perder!
A infinita paixão de ser...
E enxergar.
Sobre ombros, sobre muros, entre olhares furtivos...
Sobre todos os vales e montanhas do mundo; sou eu em um segundo.