segunda-feira, 21 de abril de 2008

Falei-me.

Eu sou um ato falho.
De todas as maneiras, tento descrever-me,
mas não encontro papel suficiente.
Corpo, coração , mente.
Tudo em mim mente, engana , sente.
Tudo em mim demente.
Tudo em mim nada, afoga!
Tudo em mim rio , mar
tempestade, paladar!
Tudo em mim fere, cerne.
Tudo em mim sopra , veda,
abre e fecha comportas,
nada em mim comporta.
Torta.
tudo em mim fala , embala.
Tudo em mim doí.
Tudo em mim se perde, laços , nós.
Tudo em mim labirinto, céu, vento.
Tudo em mim percebe, pressente, sente.
Tudo em mim vasculha. Dilacera.
Tudo em mim outono , amarela!
Nada em mim cala, boca, olho , cela.
Tudo em mim encara, vida , dor.
Tudo em mim tempera, sal água, dissabor!

Queda livre.


...Hoje , amanheceu chovendo aqui...
E eu me lembrei de penhascos e precipícios.
De ventos.
Hoje, muito de manhãzinha, eu quis jogar-me,
e muito naturalmente não ter asas.
Apenas sentir a queda, a vertigem.
Somente pelo gosto da dor.
Somente pelo sabor e pelo dissabor.
Eu fechei meus olhos , coisa rara!
E me tornei tão tangente, que até vi o vento.
Eu voei entre abalos sísmicos, olho de furacão.
Eu perdi a razão, e como foi bom!
Hoje, quando amanheceu aqui, nas terras verdes
que me cercam, eu fiz meu abismo, meu precipício,
para me sentir livre!
Eu me joguei sem nenhuma rede lá embaixo, sem asas...
Apenas pelo gosto, pelo gosta da dor!
Pelo sentir que me devora!

Tensão.

Pés , dedos , mão.
Nervos, cerdas, coração!
Ar , entra e saí, pulmão.
Ouvido, corredor, é por onde corre a dor?
Planta dos pés, pescoço, osso
flua o sangue como vento de Agosto...
Me cansei de palavrinhas, toda e qualquer inha.
Quero imensidão, plantio de girassóis, sol.
Tensione, tenso, hiper propenso.

Eu não lambo pés de ninguém,
por isso sou eu mesma, esse alvoroço!
Tenso, tensione, tensão,
dedo, pé, chão!

Sem nexo.

Cabeça.
Cresça e desapareça.
Meça.
A metade.
O meio da cabeça.
Meça, esqueça.
O fio da meada, faça nada...
Faça a coisa errada.
O certo é sempre objeto.
Deseje o abjeto.
Esqueça o objeto.
Meça a metade do desejo.
Escreva na mesa.
Desapareça.
O desejo, o obsoleto.
Cresça.
A metade, o meio, a vontade!
Seja efêmero, quase nada!
Desperceba, desapareça.

Efêmero.


...Eu gosto de efémero, porque existiu e acabou.
Gosto de deletar.
Não gosto que coisas fiquem agarradas em mim , como algas...
Como braços me prendendo ao passado!
Eu gostaria, iria ao cume pra desligar a tomada.
Para abrir os olhos e novamente ver tudo novo, de novo.
Eu gosto do efémero, porque soltam-se, desprendem-se...
Me deleto todo dia se assim for.
O dia de ontem , foi ontem!
E quantos hoje ainda virão?
Eu deleto a dor, para senti-la novamente.

Poeira.


...Eu varro a poeira dos dias.
Para que não se impregne em mim.
Para que minha pele esteja limpa,
apta para absorver a claridade, as boas novas.
Para que todo meu ser , respire o ar das manhãs!
Eu espano a dor das feridas, e carrego para longe o pó;
que fazem meus olhos arderem.
Eu viajo em jardins que não são meus, para ver o verde.
E flores simples se despirem para o sol.
Eu espero o sol , toda manhã.
Ardilosamente traço planos.
Mesmo quando chove, eu espero a chuva.
Toda manhã.
Para que caia.
Para que lave.
Para que inunde jardins e flores desnudas.
Para que meu rosto se molhe, e renome minha pele...
Derme , epiderme.
Eu acordo e respiro o dia, todo dia!